quarta-feira, 2 de março de 2011


Espetacular resumo de nossa política foi escrito pelo notável Jornalista Roberto Pompeu de Toledo na edição de VEJA de 9 de fevereiro passado. Leiam e reflitam.

Nenhuma reforma política será bem-sucedida sem a instauração da figura do bedel na Câmara dos Deputados. “Enquanto eles leem os nomes dos eleitos, está todo mundo conversando”, comentou o neodeputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) na terça-feira, o primeiro dia de funcionamento da Casa.
Jean Wylils é político formado na escola Big Brother Brasil de altos estudos. Daí que demonstre a ingenuidade de quem até agora talvez nem pela TV tivesse acompanhado uma sessão da Câmara. Mas foi ao ponto. Não há lugar mais bagunçado do que o plenário da Câmara, nem onde reine maior desatenção de um colega para com o outro.
Existiriam ainda bedéis nas escolas? Em atenção às novas gerações, bedel era o funcionário encarregado de manter a disciplina entre os alunos. Alguns deles tinham inclusive a função de capturar gazeteiros, o que também seria oportuno, neste novo caso. Na Câmara, o clima lembra muitas coisas, menos um ambiente de trabalho. As pessoas preferem ficar de pé. Algumas rodam pelo salão. Outras, formam rodinhas, como nas recepções e nos velórios. Reunidas numa sala de aula, conformariam o pesadelo do professor.
O deputado Jean Wyllys ainda não viu nada. Só raríssimas vezes se presta atenção em quem está discursando. Continua-se a conversar, a rir e a falar ao celular. A Câmara foi feita para sediar o debate dos grandes temas nacionais. Ainda que as pessoas ali reunidas tivessem interesse nos grandes temas nacionais, e capacidade intelectual para enfrentá-los, o que é duvidoso, como fazê-lo em tal balbúrdia? Nenhuma empresa funcionaria desse jeito. Nenhum ministério.
Para facilitar o trabalho do bedel (ou dos bedéis, pois um só não daria conta), a reforma política convocaria também o arquiteto. A conformação do plenário não ajuda. Há grandes espaços vazios, tanto entre a Mesa Diretora e a primeira linha de cadeiras como entre a linha de cadeiras da esquerda e a da direita. É um convite a que os folgados mais folgados ainda se sintam, e prefiram circular e fazer rodinhas a sossegar e prestar atenção no que se está dizendo ou no que se está votando.
Na Inglaterra, o plenário em forma de arena da Câmara dos Comuns é tão apertado que o primeiro-ministro fica a dois passos do líder da oposição, um confrontando o outro no centro do círculo. Os demais ficam igualmente juntinhos, cada um em seu lugar. Não é à toa que, entre todos os países, a Inglaterra ostente a mais rica vida parlamentar.
E lá vem Sarney de novo. Pela quarta vez, com “sacrifício pessoal”, como disse em seu discurso, assumiu a presidência do Senado. Em 1955, como lembrou no mesmo discurso, ele estreou no Parlamento, assumindo uma cadeira na Câmara. Já lá se vão 56 anos, ou quase o dobro dos trinta que Hosni Mubarak acumulou como ditador do Egito.
Se a conta for feita desde 1966, quando toma posse como governador do Maranhão e, num memorável discurso, filmado por Glauber Rocha, afirma que “o Maranhão não quer mais a desonestidade no governo, a corrupção (…), não quer mais a violência como instrumento de política (…), não quer mais a miséria, o analfabetismo, as mais altas taxas de mortalidade infantil”, são 45 anos — um Mubarak e meio. Se for desde 1979, quando, fiel servidor da ditadura, é feito presidente da Arena, o partido do regime, são 32 anos mais que um Mubarak. E, se for desde 1985, quando a Presidência lhe caiu ao colo, são 26 anos quase um Mubarak.
A sina do Maranhão, governado, nos últimos 45 anos, por Sarney, familiares ou prepostos, a não ser por curtos intervalos, continua sendo a da desonestidade, da corrupção. da violência, da miséria, do analfabetismo e das altas taxas de mortalidade infantil. Mas Sarney, aos 80 anos, dois a menos que Mubarak, alcançou a plenitude da glória. Na primeira hora da madrugada do último dia 10 de janeiro, foi presença de honra na cerimônia de posse da filha, pela quarta vez, como governadora do Maranhão.
Voou em seguida para Brasília, onde, como presidente do Congresso, deu posse à nova presidente da República. E, à noite, ainda viajou com o presidente Lula a São Bernardo, onde figurou como atração especial no comício/show montado para receber de volta o mais ilustre morador da cidade. Haja Sarney! Ele promete, como fez Mubarak, que este é seu último mandato.
Nem precisaria de outros. Este é um país intoxicado de Sarney. Na academia, nos jornais e alhures, discute-se se estaríamos vivendo ainda uma era FHC, graças ao rescaldo de suas reformas, ou uma era Lula.
Nada disso. O país vive, há mais de meio século, a era Sarney.